Tempo Lento
Galeria de Arte da Fundação Cultural de Criciúma/SC, 2008
Curadoria Ana Zavadil – Bacharel em História, Teoria e Crítica de Arte pela UFRGS
A ocupação das cinco salas de exposições da Fundação Cultural de Criciúma, pelo artista Leandro Selister apresenta uma retrospectiva de trabalhos marcantes de sua trajetória e, também, um novo trabalho na sala principal. Graduado em fotografia, o seu trabalho plástico resulta de suas indagações com relação à passagem do tempo, registrado em percepções sutis da natureza a sua volta.
O autorretrato, obra onde a imagem do seu rosto aparece repetidamente voltada em diferentes direções, indica a sua admirável capacidade de organizar uma narrativa poética contrapondo-se em relação ao tempo. A obra é absorvida em câmera lenta, desvelando o passar do tempo lento de uma imagem à outra; expressando o oposto do ritmo na vida urbana, onde o tempo cotidiano apresenta-se fragmentado, multifacetado digno de uma multiplicidade de sentidos, passando como um sopro em nossas vidas.
As outras obras que fazem parte desta mostra denotam a linguagem refinada das séries fotográficas, por meio das quais Selister nos faz perceber a passagem incondicional do tempo, estruturando as seqüências que indicam situações vivenciadas e registradas através de sua máquina, em verdadeiros rituais, envolvendo um trabalho de extrema paciência e dedicação. O desafio se renova em cada série, a cada dia, nas diferentes horas e segundos que marcam a diferença entre a captura de uma e outra imagem; seja quando o artista fotografa uma flor no seu ciclo de vida e morte; num pássaro chocando seus ovos e alimentando seus filhotes por meses; no alvorecer e no anoitecer registrado de um mesmo lugar (preferencialmente da janela de sua casa) com os mesmos intervalos de tempo, ou na exuberância dos ciclos das estações do ano.
O tempo que transcorre rápido demais, fora destes acontecimentos, é reinventado por Selister no momento em que congela as imagens, uma a uma, no sentido de transcendê-lo.
As suas séries que assinalam o tempo capturado em quadros nos possibilitam um novo olhar sobre o nosso cotidiano, e ao artista, um observador obstinado das ações e emoções do dia-a-dia, de guardar as imagens em experiências únicas, indizíveis e questionadoras sobre o sentido da existência e da vida.
Leandro Selister é um poeta do tempo e o modifica sem perder-se nele. Inscreve as imagens ou enquanto espera para fazê-lo, no pulsar dos pequenos acontecimentos dentro de um tempo finito, imensurável, se comove. O artista, que nos ensina a olhar através do jogo de imagens a dimensão e a complexidade do tempo, re-significa o sentido das coisas simples que têm o poder de nos transformar em seres mais sensíveis e capazes de entender o fluxo ininterrupto deste tempo e a nossa fragilidade diante da vida. “As coisas nos olham.” (2003, p.125). A frase de Paul Valéry nos chama para outra realidade, para que nos afinemos a ela se nos deixarmos impregnar pelas imagens que passam através de nossa sensibilidade engessada e refletirmos sobre o nosso redor.
Neste conjunto apresentado pelo artista e no contexto escolhido por ele, cada imagem nos fala do visível e do invisível numa leitura linear, de linguagem coerente o bastante para que possamos sentir a sua construção do tempo e do espaço.
Leandro constrói a sua identidade congelando o tempo e todas as suas qualidades transitórias, ou seja, o efêmero e o transitório como lócus em sua arte. A sua obra é tocante: forma e conteúdo nos dizem tanto sobre o estado de efemeridade a que somos constantemente arremessados. Um trecho do livro Água Viva, de Clarice Lispector, torna-se aqui um complemento poético das questões suscitadas pelas imagens:
“O que te direi? Te direi os instantes. Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre. Conseguirei um dia parar de viver? Ai de mim que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão,na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique- taque dos relógios”. (1998,p.20-21).
A arte contemporânea apresenta-se caracterizada pela pluralidade, onde a fragmentação, a heterogeneidade, as simulações, a interatividade e a transitoriedade são as premissas que a constituem. Leandro Selister, sendo um artista contemporâneo, rompe com a tradição reinventando novas fórmulas para expressar seu pensamento artístico. O seu processo envolve, além da fotografia, outros meios de representação calcados em novas tecnologias. Tendo como sua marca a sensibilidade, onde transitam indagações e questionamentos, nos arremessa a momentos de experiência pura na captura de uma imagem e na doação desta imagem dentro de um eloqüente tempo lento.
Referências: LISPECTOR, Clarice Lispector. Água Viva. Rio Janeiro: Rocco, 1998. VALÉRY, Paul. Degas Dança Desenho. São Paulo: Cosac & Naify Edições,2003.